A Terra Toda 2.0
Louis Rossetto, um graduando esbelto com um corte de cabelo de Patrick Swayze, começou a revista Wired em 1993. Rossetto cresceu em Long Island em uma família católica conservadora. Seu pai, Louis Rossetto Sr., era executivo de uma grande gráfica e trabalhou no desenvolvimento de mísseis e produção de armas durante a Segunda Guerra Mundial.77 O jovem Rossetto se matriculou na Universidade de Columbia no final dos anos 1960 e esteve lá durante os protestos estudantis contra a Guerra do Vietnã e a militarização da pesquisa acadêmica da ARPA. Observou seus colegas ocuparem prédios e se confrontarem violentamente com a polícia, mas ele não compartilhava suas preocupações.79 Rossetto estava no lado oposto das barricadas. Ele era contra a política antiguerra de esquerda que dominava os círculos radicais estudantis de Nova York. Foi presidente dos republicanos da faculdade de Columbia e um obstinado defensor de Richard Nixon.
Toda a atividade política no campus e a natureza cada vez mais violenta dos protestos o levaram mais à direita: para Ayn Rand, o anarquismo libertarianista e as idéias dos fundamentalistas antigovernamentais do século XIX e dos darwinistas sociais. Ele foi co-autor de um ensaio na Revista New York Times que explicava a filosofia do libertarianismo e criticava o foco da Nova Esquerda na redistribuição da riqueza e nas reformas democráticas. Para ele, esse tipo de governo expansivo era o inimigo.Entre seus heróis estavam Ayn Rand e Karl Hess III, ex-redator de discurso do senador Barry M. Goldwater, que se autodenominou um libertarianista radical e viu a tecnologia da computação como a principal arma antigovernamental: “Em vez de aprender a fabricar bombas, os revolucionários deveriam dominar a programação de computadores”, disse a um jornalista em 1970.81
Rossetto não seguiu o conselho de Hess. Em vez disso, ele se matriculou em um curso de negócios na Universidade de Columbia e acabou se formando. Sonhava em se tornar um romancista e passou a década seguinte à deriva no mundo. Para um homem com tendências libertarianista de direita, Rossetto certamente tinha uma propensão a aparecer em lugares onde ocorriam insurgências de esquerda: esteve no Sri Lanka durante a rebelião tamil e foi ao Peru a tempo da insurgência maoista do Sendero Luminoso. Ele também conseguiu sair com os mujahedeen no Afeganistão e apresentou relatórios brilhantes no Christian Science Monitor sobre sua luta contra a União Soviética auxiliados com armas estadunidenses.82 Rossetto viajou para a zona de guerra pegando carona em uma caminhonete com combatentes jihadistas.83
Em meio a tudo isso, ganhava dinheiro escrevendo editoriais para uma pequena empresa de investimentos em Paris; conheceu sua futura esposa Jane Metcalfe, que veio de uma família antiga em Louisville, Kentucky; e lançou uma das primeiras revistas de tecnologia chamada Electric Word, financiada por uma empresa de software de tradução holandesa.84 A revista faliu, mas durante seu tempo lá Rossetto entrou em contato com Stewart Brand e sua equipe de impulsionadores da tecnologia da Bay Area. O contato com essa subcultura influente o fez perceber que o mundo não tinha uma revista de estilo de vida de tecnologia sólida. Era isso que ele queria criar.
Em 1991, Rossetto e Metcalfe se mudaram para Nova York para iniciar a revista, mas todos os seus investidores desapareceram aos poucos. Por alguma razão, eles não conseguiram despertar empolgação. As indústrias de computadores e redes estavam pegando fogo na área da baía de São Francisco, mas ninguém queria apoiar seu projeto. Ninguém, exceto uma pessoa: Nicholas Negroponte, um engenheiro e empresário rico que passou mais de duas décadas trabalhando na ARPA.
Negroponte veio de uma família rica com muitos contatos. Seu pai era um magnata grego da navegação. Seu irmão mais velho, John Negroponte, era um diplomata de carreira e funcionário do governo Reagan que acabara de ser embaixador com práticas altamente controversas em Honduras: foi acusado de participar em uma campanha secreta de contrainsurgência apoiada pela CIA contra o governo sandinista de esquerda na Nicarágua.85
Nicholas Negroponte, como seu irmão mais velho, também estava conectado ao aparato de inteligência militar dos EUA, mas de um ângulo um pouco diferente. Ele era um contratado de longa data da ARPA e havia trabalhado em várias iniciativas militares de computadores no MIT.86 Também havia sido um membro proeminente do Projeto ARPANET Cambridge. No MIT, ele coordenou seu próprio grupo de pesquisa financiado pela ARPA, chamado Machine Architecture Group (MAG).87
O MAG fez todos os tipos de pesquisa para os militares. Ele trabalhou na tecnologia de videoconferência que permitiria ao presidente e seus principais generais, espalhados por todo o país em bunkers subterrâneos, interagir uns com os outros de maneira natural no caso de uma guerra nuclear.88 Desenvolveu um “mapa de vídeo” interativo da cidade de Aspen, no Colorado, que era um ambiente experimental de realidade virtual que poderia ser usado para treinamento de ataques militares.89 Talvez o experimento mais assustador do MAG tenha envolvido a criação de um labirinto robótico povoado por gerbos (um tipo de roedor). O projeto, chamado SEEK, era uma gaiola gigante cheia de blocos de luz que os animais esbarravam e mudavam de lugar à medida que se moviam pelo ambiente. Um computador observava a cena e utilizava um braço robótico para reorganizar os blocos deslocados e colocá-los em locais que “pensavam” que os animais queriam que eles estivessem. A ideia era criar um ambiente dinâmico mediado por computador – um “modelo mundial cibernético” – que mudasse de acordo com as demandas e desejos dos gerbos.90
Em 1985, Negroponte transformou o Machine Architecture Group em algo mais interessante e mais alinhado com a revolução dos computadores pessoais: o MIT Media Lab, um hub que conectava negócios, contratação militar e pesquisa universitária. Buscou obstinadamente o patrocínio corporativo, tentando encontrar maneiras de comercializar e lucrar com o desenvolvimento da tecnologia de computadores, redes e gráficos que estava desenvolvendo para a ARPA. Por uma pesada taxa anual de associação, os patrocinadores obtinham acesso a toda a tecnologia desenvolvida no Media Lab sem ter que pagar taxas de licenciamento. Foi um grande sucesso. Apenas dois anos depois de abrir suas portas, o Media Lab acumulou uma enorme lista de patrocinadores corporativos. Todas as principais redes de jornais e televisão estadunidenses faziam parte do clube, assim como as principais empresas automobilísticas e de computadores, incluindo General Motors, IBM, Apple, Sony, Warner Brothers e HBO.91 A ARPA, que naquela época havia sido renomeada como DARPA, também era um dos principais patrocinadores.92
O MIT Media Lab foi uma grande sensação na época – tanto que Stewart Brand praticamente implorou a Negroponte por uma chance de aparecer por lá. Em 1986, ele teve a oportunidade de passar um ano no Media Lab como um “cientista visitante”. Mais tarde, publicou um livro sobre Negroponte e a tecnologia de ponta que seu laboratório inaugurou no mundo. O livro parece um alegre panfleto de marketing, falando de um mundo de bugigangas de computador, realidade virtual, inteligência artificial e redes de computadores que abarcassem todo o mundo. Brand descreveu Negroponte como um “visionário” singularmente impulsionado a “inventar o futuro”, e ele ajudou a consolidar o status de Negroponte como um sacerdote rebelde de alta tecnologia, que atravessou o mundo das grandes empresas e grandes governos, mas transcendeu os dois.
No início dos anos 1990, quando Rossetto e Metcalfe estavam desesperados por investidores para sua revista de estilo de vida tecnológico, Negroponte era um dos visionários da computação mais respeitados e procurados do mundo. Então, em 1992, armados com uma edição de teste da Wired e um plano de negócios, Rossetto e Metcalfe o encurralaram na Conferência de Tecnologia, Entretenimento e Design, em Monterey, Califórnia – que custava US $ 1.000 por cabeça e hoje é conhecida como TED. Eles fizeram seu discurso e, para sua surpresa, Negroponte ficou impressionado e concordou em ajudá-los a obter financiamento. Ele marcou reuniões com Ted Turner e Rupert Murdoch, mas nenhum dos dois manifestou muito interesse. No final, Negroponte decidiu apoiar o projeto por conta própria. Ele forneceu US $ 75.000 em capital em troca de uma participação de 10%. Era uma quantia insignificante para grande parte dos negócios, mas Rossetto e Metcalfe concordavam. Eles sabiam que ali estava uma oportunidade: Nicholas Negroponte era um grande nome, com profundas conexões com os mais altos escalões dos negócios, da academia e do governo. Eles apostaram que Negroponte ajudaria a impulsionar o fluxo de investimentos, com seu dinheiro e envolvimento, o que atrairia outros grandes atores que estariam dispostos a investir quantias muito maiores na Wired. E eles tinham razão. Depois que Negroponte entrou a bordo, os investimentos começaram a chover.
Para ajudá-lo a criar a nova revista, Rossetto contratou o antigo aprendiz de Stewart Brand como o editor executivo fundador da Wired: Kevin Kelly. Rechonchudo, com uma barba no estilo Amish, Kelly havia trabalhado para Stewart Brand no final dos anos 1980, no momento em que o promotor da contracultura estava começando a afastar seu negócio editorial das comunas em direção à crescente indústria de computadores pessoais. Kelly era um acólito enérgico e ansioso, um homem maduro para uma missão justa.
Filho de um executivo da revista Time, Kelly passou a maior parte da década de 1970 viajando de mochila pelo mundo. Em 1979, enquanto esteve em Israel, ele teve uma visão divina. Por decisão própria, trancou-se para fora do seu hotel e forçou-se a passear por Jerusalém à noite. Adormeceu em uma laje de pedra dentro da Igreja do Santo Sepulcro e, ao acordar, teve uma visão religiosa na qual percebeu que Jesus era o filho de Deus e havia retornado dos mortos como salvador da humanidade. “No final, tudo se resume a uma decisão que se toma. Você segue uma estrada e, dentro dela, tudo faz absoluto sentido”, disse Kelly mais tarde sobre sua experiência de conversão. “Acho que foi isso que fiz. Foi preciso ir a Jerusalém na manhã de Páscoa até os túmulos vazios para realmente desencadear uma aceitação dessa visão alternativa. Depois que aceitei, apareceu uma lógica, um conforto, um impulso que me acompanha por causa dessa visão.”93
Impulso é uma boa palavra para a súbita inspiração religiosa de Kelly. Sua fé em Deus combinava com sua fé no poder do progresso tecnológico, que ele via como parte do plano divino para o mundo. Ao longo dos anos, ele desenvolveu a crença de que o crescimento da Internet, a proliferação de bugigangas eletrônicas e a informatização de tudo ao nosso redor, a fusão definitiva da carne com os computadores, e o upload de seres humanos em um mundo virtual de computadores eram parte de um processo que fundiria as pessoas com Deus e permitiria que nos tornássemos deuses, criando e governando nossos próprios mundos digital e robótico, da mesma forma que o nosso criador. “Eu tive essa visão de Deus, sem limites, se ligando à sua criação. Quando criarmos esses mundos virtuais no futuro – mundos cujos seres virtuais terão autonomia para cometer maldades, assassinar, machucar e destruir – não me parece impensável que o criador do jogo tente consertar o mundo por dentro. Essa, para mim, é a história da redenção de Jesus. Temos um Deus ilimitado que entra neste mundo da mesma maneira que você entraria na realidade virtual e se ligaria a um ser limitado e tentaria redimir as ações dos outros seres, uma vez que são suas criações”, explicou Kelly em entrevista à revista Cristianismo Hoje.
Na Wired, Kelly injetou essa teologia em todas as partes da revista, imprimindo ao texto uma crença inquestionável na bondade e retidão dos mercados e na tecnologia de computador descentralizada, não importava como ela fosse usada.
A primeira edição da Wired chegou às bancas em janeiro de 1993. Ela foi impressa em papel brilhante com tintas neon e apresentava layouts dissonantes que copiaram deliberadamente a estética caótica de zines DIY usada pelo Catálogo Toda a Terra de Stewart Brand. Assim como a Toda a Terra, a Wired se posicionou como uma publicação para e por uma contracultura digital nova e radical que vivia na vanguarda de um novo mundo em rede. Era também um guia para pessoas de fora que queriam fazer parte deste futuro emocionante, ensinando os leitores a falar e pensar sobre a revolução da tecnologia.94 “Existem muitas revistas sobre tecnologia”, explica Rossetto na edição inaugural da revista. “A Wired não é uma delas. A Wired é sobre as pessoas mais poderosas do planeta atualmente – a Geração Digital. Essas são as pessoas que não apenas previram como a fusão de computadores, telecomunicações e mídia está transformando a vida na chegada do novo milênio, como estão fazendo isso acontecer.”95
A Wired foi um sucesso financeiro e crítico imediato. Tinha trinta mil assinantes até o final de seu primeiro ano. Em seu segundo ano de publicação, conquistou o prestigioso prêmio National Magazine e acumulou duzentos mil assinantes. Lançou uma subsidiária de televisão e um mecanismo de busca chamado HotBot. Em 1996, Louis Rossetto estava pronto para lucrar com o boom e levar a empresa a público. Ele recrutou Goldman Sachs para isso, o que deu à Wired um valor estimado de US $ 450 milhões. A revista foi o rosto do boom das pontocom e a evangelista da Nova Economia, um momento revolucionário da história em que o progresso tecnológico deveria reescrever todas as regras e tornar irrelevante e desatualizado tudo o que havia chegado antes.
A imprensa da indústria de computadores dos EUA datava da década de 1960. Não era chamativa ou moderna, mas abrangia muito bem os negócios emergentes de computadores e redes – não evitava reportagens críticas. Publicações como a ComputerWorld estavam na vanguarda da cobertura do debate sobre privacidade e o perigo de bancos de dados centralizados de computadores na década de 1970 e forneceram uma cobertura aprofundada dos escândalos de privatização da NSFNET nos anos 1990. A Wired era diferente. Assim como o Toda a Terra, a Wired não era exatamente uma empresa jornalística; nem era uma publicação da indústria.96 Parecia mais um centro para fazer contatos e um veículo de marketing para a indústria, um impulsionador destinado a criar uma marca em torno do culto à tecnologia e às pessoas que a criaram e a venderam e depois a reembalaram para a cultura convencional. Ela continuava uma tradição que Stewart Brand havia começado, cobrindo uma indústria de computadores cada vez mais poderosa com imagens da contracultura para dar a ela uma cara provocativa e revolucionária.
Isso não era apenas uma pose. Nesses primeiros anos, a energia e o evangelismo encharcaram todas as páginas da Wired em cores neon. A revista abordou a tecnologia de ponta do campo de batalha de realidade virtual do Pentágono.97 Criava perfis de criptografadores e empresários marginais que se rebelavam contra o governo federal. Ela fez a cobertura de uma nova classe de capitalistas da computação que construíram um novo mundo tecnológico entre as ruínas da União Soviética. Ela aplaudiu o boom das pontocom e o mercado de ações em alta, argumentando que não se tratava de uma bolha especulativa, mas de uma nova fase na civilização, quando os avanços tecnológicos fizeram finalmente com que o mercado de ações nunca mais caísse.98 Apresentou resenhas de livros e filmes, exibiu os mais recentes aparelhos de computador, apresentou entrevistas com músicos como Brian Eno e contratou autores de ficção científica como William Gibson para fazer reportagens investigativas. E, é claro, Stewart Brand frequentemente adornava as páginas da revista, começando com a edição inaugural. No mundo da Wired, os computadores e a Internet estavam mudando tudo. Governos, exércitos, propriedade pública de recursos, alinhamento tradicional esquerda-direita de partidos políticos, dinheiro fiduciário – todas essas eram relíquias do passado. A tecnologia de redes de computadores estava varrendo tudo e criando um novo mundo em seu lugar.
O impacto da Wired não foi apenas cultural, mas também político. O fato de a revista ter abraçado e propagandeado um mundo digital privatizado tornou-a uma aliada natural dos poderosos interesses comerciais que pressionavam para desregular e privatizar a infraestrutura de telecomunicações estadunidense.
Entre o panteão de tecno-heróis promovidos nas páginas da revista estavam políticos e especialistas de direita, magnatas das telecomunicações e lobistas corporativos que rodeavam Washington para aumentar a empolgação e pressionar por uma infraestrutura de Internet e telecomunicações privatizada e dominada por empresas. O congressista republicano Newt Gingrich e o guru econômico de Ronald Reagan, George Gilder, enfeitaram a capa da revista, fizeram uma matéria sobre seus esforços para construir um sistema de telecomunicações privatizado – e suas visões retrógradas sobre os direitos das mulheres, o aborto e os direitos civis foram diminuídas e acabaram sendo ignoradas.99 John Malone, o bilionário monopolista de cabos à frente da TCI e um dos maiores proprietários de terras nos Estados Unidos, também esteve presente. A Wired o colocou na capa como um rebelde punk da contracultura por sua luta contra a Comissão Federal de Comunicações, que estava travando a fusão multibilionária de sua empresa de TV a cabo com a Bell Atlantic, uma gigante telefônica. Ele é visto andando por uma estrada rural vazia com um cachorro ao lado, vestindo uma jaqueta de couro esfarrapada e segurando uma espingarda. A referência é clara: ele era Mel Gibson, do filme Road Warrior (Mad Max), lutando para proteger sua cidade de ser invadida por um grupo selvagem de desajustados que, para estender a metáfora, eram os reguladores da FCC. Qual era a razão pela qual esse bilionário era tão legal? Ele teve a coragem de dizer que atiraria na cabeça da FCC se o governo não aprovasse sua fusão rápido o suficiente.100
A promoção que a Wired fez de empresários de telecomunicações, políticos republicanos e outros atores desse mercado não é tão surpreendente. Louis Rossetto era, afinal, um republicano que se tornou um libertarianista que acreditava na primazia dos negócios e no livre mercado. Não havia discordância ideológica aqui.
Um grupo que frequentou as páginas da Wired e que mais tarde ganhou destaque, foi a Fundação da Fronteira Eletrônica (Electronic Frontier Foundation, EFF).101 Fundada em São Francisco em 1990 por três milionários que participavam do quadro de mensagens A Fonte de Stewart Brand, a EFF começou a fazer lobby para a indústria de provedores de serviços da Internet.102 Em 1993, o cofundador da EFF Mitch Kapor escreveu um artigo para a Wired que expunha a posição dele e da EFF sobre a futura Internet: “Privada, não pública … a vida no ciberespaço parece estar se moldando exatamente como Thomas Jefferson desejaria: fundada na primazia da liberdade individual e com um compromisso com o pluralismo, a diversidade e a comunidade.”103
A Wired apoiou a visão privatizante da EFF, dando à organização um espaço na revista para expor seus pontos de vista, além de oferecer uma cobertura bajuladora das atividades do grupo. Ela comparou o trabalho de lobby que a EFF estava fazendo em nome de seus poderosos doadores de telecomunicações com o cenário da contracultura da área da baía de São Francisco dos anos 1960. “De certa forma, eles são os Merry Pranksters, os apóstolos do LSD, que tropeçaram nos anos 1960 em um ônibus psicodélico chamado Furthur, liderado pelo romancista Ken Kesey e narrado por Tom Wolfe no The Electric Kool-Aid Acid Test”, escreveu para a Wired o jornalista Joshua Quittner em um perfil contando a mudança da EFF para Washington, DC.104 “Mais velhos e mais sábios agora, eles estão na estrada novamente, sem o ônibus e o ácido, mas distribuindo muitos brometos com sons semelhantes: ligue, plugue, conecte-se. Alimente sua cabeça com o rugido de bits pulsando pelo cosmos e aprenda algo sobre quem você é.”
Escrever sobre lobistas corporativos que trabalhavam em nome das telecomunicações para desregular a Internet como se fossem rebeldes e doidões? Pode parecer cínico, até gauche. Mas a Wired era séria e genuína, e de alguma forma se encaixava, e as pessoas acreditavam nisso. Porque no mundo que a Wired construía para seus leitores, qualquer coisa ligada à Internet era diferente e radical. Fazia sentido. A Wired e a EFF eram extensões da mesma grande rede e ideologia de contracultura comercial da nova-direita que emergiram da revista Toda a Terra de Stewart Brand. É aí que reside o verdadeiro poder cultural da Wired: usar os ideais cibernéticos da contracultura para vender a política corporativa como um ato revolucionário.
A revista Wired era apenas mais jovem e moderna, representando uma tendência cultural e política maior na sociedade estadunidense. Nos anos 1990, parecia que onde quer que você olhasse – o jornal Wall Street, a Forbes, o New York Times – especialistas, jornalistas, economistas e políticos previam uma era de abundância em que quase tudo mudaria.105 Antigas regras – escassez, trabalho, riqueza e pobreza, poder político – não se aplicariam mais. Computadores e tecnologia de rede estavam inaugurando a Era da Informação, onde a raça humana seria finalmente libertada: de governos e fronteiras, libertada até de sua própria identidade.106
Em 1996, no mesmo ano em que a Lei de Telecomunicações foi aprovada, Louis Rossetto fez uma previsão ousada: a Internet iria mudar tudo. Tornaria obsoletos até os militares. “Quero dizer, tudo – se você tem um monte de ideias preconcebidas sobre como o mundo funciona, é melhor reconsiderá-las, porque as mudanças que estão acontecendo são instantâneas”, disse ele.107 “E você não precisa de exércitos pesados em uma aldeia global. Talvez precise de uma força policial no máximo, e de boa vontade da parte dos habitantes, mas, caso contrário, não precisará desses tipos dessas estruturas que que estão aí agora.”
Em 1972, Stewart Brand tentou convencer os leitores da Rolling Stone de que os jovens terceirizados do Pentágono escondidos em um laboratório de Stanford, jogando videogame e construindo poderosas ferramentas de computador para a ARPA, não estavam realmente trabalhando a serviço da guerra. Eles estavam invadindo o sistema, usando a tecnologia militar de computadores para acabar com os militares. “O [jogo] Spacewar serve à Paz na Terra [Earthpeace]”, escreveu na época. “E assim é também com qualquer brincadeira divertida com computadores, qualquer busca computadorizada de seus próprios objetivos peculiares, e especialmente qualquer uso de computadores para impulsionar outros computadores”. Brand viu os computadores como um caminho em direção a uma ordem mundial utópica onde o indivíduo exercia o poder supremo. Tudo o que veio antes – militares, governos, grandes corporações opressivas – desapareceria e um sistema igualitário surgiria espontaneamente. “Quando os computadores se tornarem disponíveis para todas as pessoas, os hackers assumirão o controle: somos todos vagabundos computadorizados, todos mais capacitados como indivíduos e como cooperadores”.108
Vinte e quatro anos depois, Rossetto canalizou o mesmo sentimento, promovendo computadores pessoais e a Internet como ferramentas que empoderariam radicalmente o indivíduo e eliminariam os exércitos da existência. Era uma visão deslumbrada e, talvez, egoísta para um homem cuja fama e fortuna repousavam no apoio de Nicholas Negroponte, um terceirizado militar de carreira cujo MIT Media Lab recebeu financiamento da DARPA, enquanto Rossetto pronunciava essas palavras.
Não é de surpreender que o futuro não deu certo de acordo com o sonho de Rossetto. A vila se tornou global, é verdade. Mas os exércitos pesados do passado não desapareceram; de fato, como o tempo mostrou, as redes de computadores e a Internet apenas expandiram o poder das agências militares e de inteligência estadunidenses, tornando-as globais e onipresentes.