Vale da Vigilância, Cap 3. Espionando os gringos (3)

A Vigilância da ARPANET

Foi em 1975 quando a NBC transmitiu a reportagem de Ford Rowan expondo que a ARPANET estava sendo usada para espionar estadunidenses. Três anos se passaram desde a investigação do senador Ervin sobre a operação de espionagem CONUS Intel do exército, e o escândalo havia se tornado notícia antiga, eclipsada pela investigação de Watergate que derrubou o presidente Richard Nixon. Mas os relatórios de Rowan trouxeram o sórdido caso CONUS Intel de volta aos holofotes.48

“No final dos anos 1960, no auge das manifestações contra a guerra, o Presidente Johnson ordenou à CIA, ao FBI e ao Exército que descobrissem quem estava por trás dos protestos. O que se seguiu foi uma grande campanha de infiltração e vigilância de grupos antiguerra”, Rowan disse aos telespectadores da NBC em 2 de junho de 1975. “Em 1970, o senador Sam Ervin expôs a extensão da espionagem do Exército. Ele conseguiu que o Pentágono prometesse interromper seu programa de vigilância e destruir os arquivos. Mas quatro anos após a promessa feita a Sam Ervin, os arquivos de vigilância doméstica do Exército ainda existem. A NBC News descobriu que uma nova tecnologia de computador desenvolvida pelo Departamento de Defesa permitiu ao Pentágono copiar, distribuir e atualizar secretamente os arquivos do Exército.”

Dois dias depois, Rowan entregou um segmento de acompanhamento:

A rede secreta de computadores foi possível graças a avanços dramáticos na técnica de conectar diferentes marcas e modelos de computadores, para que eles pudessem conversar entre si e compartilhar informações. É uma tecnologia totalmente nova que poucas pessoas conhecem. Se você pagar impostos ou usar um cartão de crédito, se estiver dirigindo um carro, ou já serviu no exército, se você já foi preso, ou mesmo investigado por uma agência de polícia, se você teve grandes despesas médicas ou contribuiu para um partido político nacional, há informações sobre você em algum lugar de algum computador. O Congresso sempre teve medo de que os computadores, quando conectados, pudessem transformar o governo em ‘irmão mais velho’ dos computadores, tornando perigosamente fácil manter o controle da população.

Ele então foi específico com relação ao que aconteceu com os arquivos de vigilância que o exército deveria destruir: “Segundo fontes confidenciais, grande parte do material que foi informatizado foi copiado e transferido, e grande parte foi compartilhado com outras agências onde foi integrado a outros arquivos de inteligência… Em janeiro de 1972, pelo menos parte dos arquivos computadorizados de vigilância doméstica do Exército foram armazenados no computador Harvest da NSA em Fort Meade, Maryland. Com o uso de uma rede de computadores do departamento de defesa, os materiais foram transmitidos e copiados em Massachusetts no MIT e armazenados no Centro de Pesquisa Natick do Exército.”

O primeiro nó da ARPANET entre a UCLA e Stanford entrou em operação em 1969 e a rede expandiu-se nacionalmente no mesmo ano. Agora, com a exposição de Rowan, seis anos depois, essa rede militar inovadora teve seu primeiro grande momento no centro das atenções do público.

Quando finalmente localizei Rowan, ele ficou surpreso ao me ouvir falar daquela transmissão antiga da NBC. Ninguém havia discutido isso com ele há décadas. “Não ouvi ninguém falar sobre isso durante muito tempo. Estou honrado por você ter desenterrado tudo”, disse.

Ele então me contou como conseguiu a história.49 No início dos anos 1970, ele estava trabalhando no tema de Washington. Cobriu Watergate e as Audiências do Comitê de Church, conduzidas pelo senador Frank Church, que continuam sendo a investigação mais minuciosa e condenatória do governo sobre as atividades ilegais das agências de inteligência gringas, incluindo a CIA, a NSA e o FBI. Foi durante o Comitê de Church que ele tropeçou na história da ARPANET e começou a montá-la. “Isso foi pós-Watergate, pós-Vietnã. Este também foi o momento em que estavam investigando os assassinatos de Kennedy, o assassinato de Martin Luther King e, posteriormente, o assassinato de Robert Kennedy. Em seguida, surgiram histórias sobre espionagem doméstica em massa pelo FBI e pelo Departamento de Defesa sobre manifestantes que eram contra a guerra. Essas investigações eram coisas que eu estava cobrindo e, portanto, conversava com pessoas que habitavam naquele mundo – o FBI, a CIA e o Departamento de Defesa -”, explicou Rowan. A operação de vigilância da ARPANET estava intimamente ligada às revoltas políticas ocorridas nos Estados Unidos na época, e ele soube de sua existência aos poucos enquanto procurava outras histórias. “Não foi algo fácil de encontrar. Não havia um informante importante. Ninguém que sabia de tudo. Você realmente tinha que cavar.”

Sua investigação sobre a ARPANET levou meses para ser concluída. A maioria das fontes não queriam ser gravadas, mas uma delas aceitou.50 Ela era um técnico de informática do MIT chamado Richard Ferguson, que estava lá em 1972 quando o Pentágono transferiu os dados de vigilância para seu laboratório. Ele decidiu apresentar as informações e apareceu pessoalmente na NBC para fazer a acusação. Ele explicou que os arquivos eram de fato dossiês que continham informações pessoais e crenças políticas. “Vi a estrutura de dados que eles usaram e ela diz respeito à ocupação de uma pessoa, sua política, seu nome”, disse ele à NBC. Ele explicou que foi demitido de seu emprego por se opor ao programa.

Várias fontes de inteligência e pessoas envolvidas na transferência dos arquivos de espionagem corroboraram as alegações de Ferguson, mas não quiseram ser gravadas. Com o tempo, outros jornalistas verificaram as reportagens de Rowan.51 Não havia dúvida: a ARPANET estava sendo usada para monitorar a atividade política doméstica. “Eles enfatizaram que o sistema não realizou nenhuma vigilância real, mas foi projetado para usar dados coletados no ‘mundo real’ para ajudar a construir modelos preditivos que pudessem avisar quando os distúrbios civis eram iminentes”, escreveu mais tarde na Technospies, um livro pouco conhecido que expandiu sua investigação sobre a tecnologia de vigilância de rede criada pela ARPA.52 Pelo menos parte do trabalho de escrever o “programa de manutenção” do banco de dados para os arquivos de vigilância ilegal do exército parecia ter sido realizado no MIT. Isso foi feito através do Projeto Cambridge, aquela grande iniciativa de J. C. R. Licklider para criar ferramentas computadorizadas para análise de dados de contrainsurgência.53 Eles possivelmente foram transferidos para outros sites da ARPANET.

Os estudantes de Harvard e do MIT que protestaram contra o Projeto Cambridge da ARPA em 1969 viram a ARPANET como uma arma de vigilância e uma ferramenta de controle social e político. Eles tinham razão. Apenas alguns anos depois que seus protestos falharam em interromper o projeto, essa nova tecnologia foi lançada contra eles e o povo estadunidense.

As reportagens de Ford Rowan e as revelações de que o exército não havia destruído seus arquivos ilegais de vigilância desencadearam outra rodada de investigações do Congresso. O senador John Tunney, democrata da Califórnia, liderou a maior delas. Em 23 de junho de 1975, ele convocou uma sessão especial do Comitê do Judiciário para investigar a tecnologia de vigilância e abordar especificamente o papel que a tecnologia de rede do ARPA desempenhou na disseminação dos arquivos de vigilância doméstica do exército.

O senador Tunney abriu as audiências com uma condenação: “Acabamos de passar por um período da história dos EUA chamado Watergate, em que vimos certos indivíduos que estavam preparados para usar qualquer tipo de informação, classificada ou não, para seus próprios propósitos políticos, e de formas muito prejudiciais para os interesses dos Estados Unidos e de cidadãos individuais”, afirmou. “Sabemos que o Departamento de Defesa e o Exército violaram seus poderes estatutários. Sabemos que a CIA violou seu poder estatutário ao se envolver com a coleta de informações sobre cidadãos particulares e à sua colocação em computadores.”

Ele prometeu chegar ao fundo do escândalo de vigilância da época para impedir que esse tipo de abuso acontecesse outras vezes. Durante três dias, o senador Tunney interrogou os principais funcionários da defesa. Mas, assim como o senador Sam Ervin, ele encontrou resistência.54

O Subsecretário Adjunto de Defesa David Cooke, um homem corpulento, com a cabeça raspada e um jeito escorregadio, foi um dos principais oficiais que representaram o Pentágono. Ele havia servido sob o Secretário de Defesa Neil McElroy, o homem que criou a ARPA, e ele exigiu respeito e obediência à autoridade. Em seu depoimento, Cooke negou que os bancos de dados de vigilância doméstica do exército ainda existissem e duplamente negou que a ARPANET tivesse algo a ver com a transferência ou utilização desses arquivos de vigilância inexistentes. “Funcionários do MIT e da ARPA afirmam que nenhuma transmissão de dados sobre distúrbios civis pela ARPANET foi autorizada e que não há evidências de que isso tenha ocorrido”, testemunhou. Ele também fez o possível para convencer o senador Tunney de que o Pentágono não tinha necessidade operacional da ARPANET, que ele descreveu como uma pura rede acadêmica e de pesquisa. “A própria ARPANET é um sistema totalmente não classificado, desenvolvido e amplamente utilizado pela comunidade científica e tecnológica dos Estados Unidos”, disse ele ao comitê. “Nem a Casa Branca nem nenhuma das agências de inteligência têm um computador conectado à ARPANET.”

Como Cooke explicou, os militares não precisavam da ARPANET porque já possuíam seu próprio banco de dados seguros e sua rede de comunicação e inteligência: o Sistema de Inteligência Comunitária Online, conhecido simplesmente como COINS. “É um sistema seguro, que conecta bancos de dados selecionados de três agências de inteligência: a Agência de Inteligência de Defesa, a Agência de Segurança Nacional e o Centro Nacional de Interpretação de Fotos. Ele foi projetado para trocar dados de inteligência estrangeiros classificados e altamente sensíveis entre essas agências de inteligência e dentro do Departamento de Defesa. A Agência Central de Inteligência e o Departamento de Estado podem acessar o sistema”, explicou ele, e acrescentou enfaticamente:“A COINS e a ARPANET não estão vinculadas e não virão a ser”.

Ou ele estava mal-informado, ou distorcendo a verdade.

Quatro anos antes, em 1971, o diretor da ARPA, Stephen Lukasik, que dirigia a agência durante a criação da ARPANET, explicou muito claramente em seu testemunho ao Senado que o objetivo da ARPANET era integrar redes governamentais – ambas classificadas (como a COINS) e não classificados – em um sistema de telecomunicações unificado.55 “Nosso objetivo é projetar, construir, testar e avaliar uma rede de computadores confiável, de alto desempenho e baixo custo para atender aos crescentes requisitos do Departamento de Defesa para comunicações entre computadores”, afirmou. Ele acrescentou que os militares haviam acabado de começar a testar a ARPANET como uma maneira de conectar sistemas operacionais de computadores.56

De acordo com Lukasik, a beleza da ARPANET era que, embora fosse tecnicamente uma rede não classificada, poderia ser usada para fins sigilosos porque os dados podiam ser criptografados digitalmente e enviados por cabos, sem a necessidade de proteger fisicamente as linhas e equipamentos reais. Era uma rede de computadores de uso geral que podia se conectar a redes públicas e ser usada para tarefas classificadas e não classificadas.57

Lukasik estava certo. Entre 1972 e 1975, várias agências militares e de inteligência não apenas se conectaram diretamente à ARPANET, mas também começaram a construir suas próprias sub-redes operacionais baseadas no design da ARPANET e que poderiam se interconectar com ela. A marinha tinha várias bases aéreas ligadas à rede. O exército usou a ARPANET para conectar centros de supercomputadores. Em 1972, a NSA contratou Bolt, Beranek e Newman – empresa de J. C. R. Licklider e principal terceirizada da ARPANET – para construir uma versão atualizada da ARPANET para o seu sistema de inteligência COINS, o mesmo sistema que Cooke prometeu três anos depois que nunca seria conectado à ARPANET. Esse sistema acabou sendo conectado à ARPANET para fornecer serviços operacionais de comunicação de dados para a NSA e o Pentágono por muitos anos depois.58

Mesmo que Cooke negasse ao senador Tunney que a ARPANET era usada para comunicações militares, a rede apresentava várias conexões do exército, da marinha, da NSA e da força aérea – e muito provavelmente continha nós não listados mantidos por agências de inteligência como a CIA.59 Mas a questão logo se tornou discutível. Algumas semanas após o testemunho de Cooke, a ARPANET foi oficialmente absorvida pela Agência de Comunicações de Defesa, que administrava os sistemas de comunicações de todo o Pentágono. Em outras palavras, ainda que experimental, a ARPANET era a definição de uma rede militar operacional.60

A Internet militar

No verão de 1973, Robert Kahn e Vint Cerf se trancaram em uma sala de conferências no sofisticado hotel Hyatt Cabana El Camino Real, a apenas dois quilômetros ao sul de Stanford. O Cabana era o hotel mais glamoroso de Palo Alto, tendo recebido os Beatles em 1965, entre outras celebridades.

Kahn era atarracado e tinha cabelos pretos grossos e costeletas. Cerf era alto e magro, com uma barba despenteada. Os dois poderiam ter sido uma dupla de música folk de passagem em turnê. Mas Kahn e Cerf não estavam lá para brincar, socializar ou festejar. Eles não tinham nenhuma bebida ou drogas. Eles não tinham muito mais do que alguns lápis e blocos de papel. Nos últimos meses, eles tentaram criar um protocolo que pudesse conectar três tipos diferentes de redes militares experimentais. No Cabana, sua missão era finalmente colocar suas ideias no papel e elaborar o projeto técnico final de uma “inter-rede”.61
“Você quer começar ou eu começo?” perguntou Kahn.

“Não, ficarei feliz em começar”, respondeu Cerf, e então ficou lá, olhando para um pedaço de papel em branco. Após cerca de cinco minutos, ele desistiu: “Não sei por onde começar”.62

Kahn assumiu o controle e rabiscou, anotando trinta páginas de diagramas e projetos de redes teóricas. Cerf e Kahn estavam envolvidos na construção da ARPANET: Cerf fazia parte de uma equipe da UCLA responsável por escrever o sistema operacional dos roteadores que formavam a espinha dorsal da ARPANET, enquanto Kahn trabalhava na Bolt, Beranek e Newman ajudando a projetar os protocolos de roteamento da rede. Agora eles estavam prestes a ir para um novo nível: ARPANET 2.0, uma rede de redes, a arquitetura do que chamamos agora de “Internet”.

Em 1972, depois que Kahn foi contratado para chefiar a divisão de comando e controle da ARPA, ele havia convencido Cerf a deixar um emprego onde recém-começara a dar aulas em Stanford e vir trabalhar novamente para a ARPA.63 Um dos principais objetivos de Kahn era expandir a utilidade da ARPANET em situações militares do mundo real. Isso significava, em primeiro lugar, estender o projeto de rede baseada em pacotes para redes de dados sem fio, rádio e satélite. As redes de dados sem fio eram cruciais para o futuro do comando e controle militares, porque permitiam que o tráfego fosse transmitido por grandes distâncias: embarcações navais, aeronaves e unidades móveis de campo poderiam se conectar a computadores no continente por meio de unidades sem fio portáteis. Era um componente obrigatório do sistema global de comando e controle que a ARPA foi encarregada de desenvolver.64

Kahn dirigiu o esforço para construir várias redes experimentais sem fio. Uma delas se chamava PRNET, abreviação de “rede de pacotes via rádio”. Ela tinha a capacidade de transmitir dados através de computadores móveis instalados em furgões usando uma rede de antenas localizadas nas cadeias de montanhas em torno das cidades de San Bruno, Berkeley, San Jose e Palo Alto. O projeto foi realizado pelo Instituto de Pesquisa Stanford. Ao mesmo tempo, Kahn desenvolvia a rede de pacotes por satélite, montando uma rede experimental chamada SATNET que ligava Maryland, Virgínia Ocidental, Inglaterra e Noruega; o sistema foi inicialmente projetado para transportar dados sísmicos de instalações remotas configuradas para detectar testes nucleares soviéticos. A tecnologia de pacotes de dados da ARPANET funcionou notavelmente bem em um ambiente sem fio. Mas havia um problema: embora eles fossem baseados nos mesmos projetos fundamentais de troca de pacotes de dados, PRNET, SATNET e ARPANET usavam protocolos ligeiramente diferentes e, portanto, não podiam se conectar entre si. Para todos os fins práticos, eram redes independentes, que contrariavam todo o conceito de rede e minimizavam sua utilidade para os militares.

A ARPA precisava das três redes para funcionar como uma.65 A pergunta era: como reunir todas elas de uma maneira simples? Era isso o que Kahn e Cerf estavam tentando descobrir na sala de conferências do Cabana. Eventualmente, eles estabeleceram um plano básico para uma linguagem de rede flexível que pudesse conectar vários tipos de redes. Chamava-se TCP / IP – Protocolo de Controle de Transmissão (Transmission Control Protocol) / Protocolo de Internet (Internet Protocol), a mesma linguagem básica de rede que alimenta a Internet atualmente.66

Em uma entrevista sobre os anos 1990, Cerf, que hoje trabalha como evangelista-chefe da Google, descreveu como os seus esforços e os de Kahn para criar um protocolo de uma inter-rede estavam inteiramente enraizados nas necessidades dos militares:

Tínhamos muitas ligações com os militares. Por exemplo, queríamos absolutamente ter comunicações de dados para o campo, que é o objetivo dos projetos de pacotes de rádio e de satélite; ou seja, como alcançar áreas imensas, como alcançar pessoas nos oceanos. Não é possível fazer isso arrastando fibra, e não dá para fazer muito bem com o rádio terrestre de armazenamento e envio, porque o sinal não funciona muito bem em um vasto oceano. Então, você precisa de satélites para isso. Portanto, tudo foi fortemente motivado pelo esforço de levar os computadores para o campo para as forças armadas e, em seguida, possibilitar a comunicação entre eles e também com os agentes que estavam na retaguarda das áreas de operações. Então, todas as demonstrações que fizemos mostravam também aplicações militares.67

Até mesmo o primeiro teste bem-sucedido da rede TCP / IP, tipo Internet, realizado em 22 de novembro de 1977, simulou um cenário militar: uso de rádio, satélite e redes cabeadas para se comunicar com uma unidade móvel ativa que lutava contra uma invasão soviética da Europa. Uma velha van GMC equipada pela SRI com vários equipamentos de rádio representou o papel de uma divisão motorizada da OTAN, subindo e descendo a estrada perto de Stanford, transmitindo dados pela rede de rádio da ARPA. Os dados foram então encaminhados pela rede de satélites da ARPA para a Europa – através da Suécia e de Londres – e depois enviados de volta aos Estados Unidos para a UCLA via satélite e por conexões cabeadas da ARPA.68 “Então, o que estávamos simulando era uma situação em que alguém estava em uma unidade móvel em campo, digamos na Europa, no meio de algum tipo de ação em que tentava se comunicar por meio de uma rede de satélites com os Estados Unidos. A informação, então, atravessava os EUA para obter algum comando estratégico de computação que estava deste lado do oceano”, lembrou Cerf. “E houve várias simulações ou demonstrações como essa, algumas das quais extremamente ambiciosas. Numa delas, até o Comando Aéreo Estratégico estava envolvido. Colocamos rádios de pacotes aéreos no campo se comunicando entre si e com o solo usando os sistemas de comunicação dos aviões para costurar fragmentos da Internet que haviam sido segregados por um ataque nuclear simulado.”

Cerf contou como trabalhava em estreita colaboração com os militares a cada passo do caminho e, em muitos casos, ajudando a encontrar soluções para necessidades específicas. “Nós implantamos um monte de equipamentos de rádio e terminais de computador e pequenos processadores em Fort Bragg com o 18º Corpo de Bombardeiros e, por vários anos, fizemos vários exercícios de campo. Também montamos esses equipamentos para o Comando Aéreo Estratégico em Omaha, Nebraska, e fizemos uma série de exercícios com eles. Em alguns casos, o resultado das aplicações que usamos foi tão bom que eles se tornaram parte da operação diária normal.”

Obviamente, Vint Cerf não foi o único a elaborar aplicações militares práticas para a ARPANET. Os relatórios do Congresso e os documentos internos da ARPA da década de 1970 estão cheios de exemplos de operativos do exército colocando a rede em uso de várias maneiras, desde a transmissão sem fio de dados de sensores de localizadores submarinos até o fornecimento de comunicação portátil em campo, teleconferência, manutenção remota de computadores equipamentos, e cadeia de suprimentos militar e gerenciamento de logística.69 E, é claro, tudo isso foi entrelaçado com o trabalho da ARPA em “sistemas inteligentes” – a construção de análises de dados e as tecnologias preditivas que Godel e Licklider iniciaram uma década antes.70

Essa foi a grande vantagem da tecnologia ARPANET: era uma rede de uso geral que podia transportar todo tipo de tráfego. Foi útil para todos os envolvidos.

“Aconteceu que eu estava correto”, disse-me Ford Rowan, quarenta e um anos depois de contar a história de vigilância do exército da ARPANET na NBC. “As preocupações que muitas pessoas tinham eram em grande parte com relação ao fato de o governo federal estar fabricando um grande computador que teria de tudo. Uma das novidades que surgiu foi que você não precisava de um grande computador. Você podia conectar muitos computadores. Esse foi o salto que ocorreu no início dos anos 1970, quando eles estavam fazendo essa pesquisa. Por fim, descobriram uma maneira de compartilhar informações pela rede sem precisar ter um computador grande que saiba tudo.”71